domingo, 9 de novembro de 2014

Conto #0009

NONO PÁSSARO

MARGARIDO


Ele era um primo do meu suposto pai e conhecia minha suposta mãe. Ele era o vendedor de vidas.
Na sexta série, na volta da escola, eu voltava com minha amiga que morava perto de casa, nós passávamos por um petshop. De vez em quando nós entrávamos e ficávamos vendo os peixes do aquário, os coelhos, os hamisters, e os pássaros coloridos nas gaiolas. De vez em quando também tinha alguns cachorrinhos à venda.
Um dia cheguei a pensar que era estranho as pessoas venderem coisas vivas. Pensei no dono daquele petshop como um vendedor de vidas.
Essa amiga gostava de ficar olhando os animais e quando tinha oportunidade dava carinho neles. Ela conversava bastante com os outros, diferente de mim. Eu não gostava de falar com estranhos. Naquele momento a voz nem saia. Eu só observava. Eu só ficava ouvindo a conversa. Eu sorria embaraçado.
Ela conseguia conversar com aquele homem tão naturalmente. Começava a achar aquele homem um sujeito um tanto esquisito.
- Você é um garoto muito estranho. Por que você é tão quieto?

Eu não respondia. Ignorava as palavras daquele homem. Enquanto minha amiga estivesse por perto eu podia fingir que não ouvia ele.
Quando minha amiga faltava da escola eu mudava minha rota de volta para casa, eu não passava pelo petshop. Porém, naquele dia, eu acabei entrando na loja.
Os pássaros tinham escapado da gaiola.
- Eu vi aquele monte de pássaros coloridos na calçada. “Eba”, eu pensei, vou pegá-los. Foi quando percebi que eram os meus. A gaiola estava aberta.
Que triste, eu pensei. Quer dizer que aqueles pássaros, mesmo estando fora da gaiola não conseguiam voar.
Eu tinha assistido em um filme, que eles tinham cortado uma pena especial da asa do papagaio para que ele não voasse alto.
Mesmo tendo asas, você pode imaginar que elas não podem te levar para longe?
Ele tinha dois filhos, um rapaz e uma moça, e tinha uma esposa que ajudavam na loja. E tinha um vizinho veterinário. Eu pensei que ele fosse um homem comum, irritante, mais um que implicava comigo por eu ser um tanto calado. Ele não era.
- Você é filho do Pinguim não é mesmo?
- ...?
- Pinguim aquele pássaro que não voa.
Eu tento ignorá-lo.
- Ei! Você ouviu. Como ele está? Vai bem aquele esquisito.
Não sei responder quem é o mais esquisito naquele momento.
- Continua morando sozinho naquele lugar?
Depois que ele falou aquilo eu comecei a perceber de quem talvez ele estivesse falando.
- Continua fumando? Aquele cara?
- Hum. – eu balanço a cabeça afirmando.
Talvez ele estivesse falando do meu suposto pai, mas ele o chamou de Pinguim. Por quê?
- É... Ele ia continuar mesmo... Mesmo que o matasse. E a sua mãe? Ela está bem?
- Hum. – eu balanço novamente a cabeça afirmando.
- Você não é de falar mesmo.
Eu viro para sair.
- Ei! Espere aí! Vai voltar amanhã?
Eu olho para trás, penso se vou respondê-lo.
- Não sei.
- Então tchau!
Eu esperava não voltar mais naquela loja, apesar de ficar curioso. Ele parece conhecer algo a respeito do meu suposto pai, mas não sou uma pessoa de fazer muitas perguntas.
- Igualzinho ao Pinguim! Nem fala direito com a gente!
Só que voltei. Estava com minha amiga outra vez. Ela precisava comprar ração para os animais dela. Agora ela tinha uma cadela e uma gata em sua casa.
- Quanto está essa ração aqui?
Eu encarava discretamente o dono daquele lugar. E ele percebeu.
- Como vai de novo?
- Bem.
- Está falando mais dessa vez! Já é um progresso.
- Hum.
- Voltou a falar “hum” de novo.
- Hum. – falei com um tom mal-humorado. Aquele cara era chato, de um tipo que eu odiava, um alegre, falante e engraçadão.
- Você é realmente igualzinho ao Pinguim! Fica bravinho, igualzinho, igualzinho!
Eu já estava começando a querer pular pra cima desse cara e apertar o pescoço dele para que não falasse mais porcaria alguma.
- Como você conhece o meu pai?
- Sou primo dele.
- Primo?
- É... Nós somos parentes. Eu seria seu tio.
Não! Por favor! Não quero ser parente desse homem! Mas a gente não escolhe os parentes não é mesmo?
- Meu tio?
- É moleque! Seu tio! Quer falar com seus primos?
- Não. – falei baixo fazendo negativa com a cabeça.
E fui embora. Aquilo era uma revelação e tanto. Os parentes do meu suposto pai. É claro que naquela época eu ainda não sabia que minha mãe não era minha mãe biológica. Eu queria visitá-lo e perguntar sobre o primo dele. Comecei a querer saber mais. Eu não tinha muitos parentes. Minha mãe parecia que vivia sozinha no mundo.
Depois eu comecei a parar de frequentar aquele lugar. Minha amiga tinha se mudado de classe. Nossos horários eram diferentes agora e ela tinha começado a voltar com sua colega da outra sala.
Eu não queria mais voltar lá, mas agora, eu precisava de nomes. Eu estava na oitava série. Minha amiga mudou de escola. Eu estava sozinho.
- Ei...
Ele não estava naquele dia. Quem estava atendendo era o filho.
- Oi.
Eu não sabia o que falar.
- Nada.
Dei meia volta. Hoje não. Talvez amanhã.
- Ei! Filho do Pinguim!
Eu me virei. Ele estava carregando um saco de ração na garupa de uma moto.
- Meu nome é Brenn.
- Brenn? Que nome estranho. Mas o nome do Pinguim também é estranho! Klebbert.
- Klebbert?
- A gente chamava de Klebbert, porque era Klebberson Olivert o nome dele. A gente juntou os dois nomes.
- Ah...
- Faz tempo que não vem aqui! Como está seu pai? E sua mãe?
- Bem. Estão bem.
- Você cresceu bastante. Cada vez mais parecido com o Pinguim. E sua mãe, hein?
- Você a conhece?
- A Brisa?
- Brisa?
- Era uma boa moça.
- Era?
- Eu esqueci que ela morreu.
Alguém chamou:

MARGARIDO
NONO PÁSSARO
FIM


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