sábado, 11 de janeiro de 2014

Conto #0001

PRIMEIRO PÁSSARO

CALANDRA


O primeiro nome que coletei foi o dela. Nem era um nome inteiro. Faltava o sobrenome. Não fazia mal. As instruções eram vagas. Contando que eu coletasse estaria tudo bem. O feitiço com certeza iria funcionar e eu realizaria o meu desejo. Eu iria realizar um milagre.
Um belo sorriso no rosto. Eu estou sozinho, mas não estou sozinho. Há um monte de pessoas ao meu redor ao mesmo tempo em que não há ninguém. Eu preciso procurar alguém.

No ônibus.
Se conseguir ser simpático, puxar uma boa conversa e perguntar seu nome, terá sua primeira conquista.
- Qual é o seu nome?
- Cassandra.
- Cassandra? Com dois “SS”?
- Hum. E o seu?
- Eu sou Brenn. Com dois enes no final.
- Brenn? Que nome estranho...
- Vem de Breno, aí minha mãe quis enfeitar colocando dois enes e tirando o ó.
- Ah... Legal. Ah, er... Eu posso falar uma coisa...?
- Pode. Fala.
- Meu nome não é Cassandra.
- Não?! E então, qual é o seu nome?
- Ah, não gosto do meu nome. Ele é muito diferente.
- Diferente? Fale.
- Não vá rir e nem tirar sarro.
- Não vou. Fala logo!
- É... Calandra.
- Calandra?
- É! Calandra!
- E como se escreve isso?
- Normal. Ca-lan-dra.
- Oh... Por que você não gosta do seu nome?
- Porque ele é muito diferente. Nunca vi ninguém com esse nome antes. Nem os outros. Aí eles tiram sarro. Me chamam de Caramba em vez de Calandra.
- Mas Calandra, eu achei esse nome muito bonito.
- Fala porque não é você que tem que andar com esse nome por aí!
- Claro que não! Ele é bonito sim! Ele é bonito porque só você que tem esse nome!
- Não é nada! Quando eu crescer vou trocar de nome!
E ela se afastou. Não lembro mais de tê-la visto, mas me lembrei dela perfeitamente. Aquela lembrança ficou. A primeira menina com quem eu conversei.
Naquela vez eu tive coragem de começar uma conversar. Por que hoje eu não tenho mais essa coragem? Porque hoje em dia penso demais no que a outra pessoa pode achar de mim. Devo me esquecer de pensar nessas coisas. Afinal, o que as outras pessoas pensam não são mais importantes do que eu penso delas.
- Calandra?
- O quê?
- É você?
- Quem é você?
- Sou o Brenn. Lembra de mim?
- Brenn? Não...
- Mas você não é a Calandra?
- Calandra? Não. Meu nome é Bruna.
- Ah, desculpa. Pensei que fosse a Calandra.
- Calandra? Que estranho.
- É um nome bem especial.
Sorria. Seja o mais simpático possível. Você precisa. Se conseguir um sorriso de volta pode se aproximar mais dela.
Ela virou a cara. Não quer conversa comigo. Talvez pense que estou a paquerando.
- Você não conhece nenhuma Calandra?
- Não. Não conheço não. Desculpa viu.
- Mas você me fez lembrar ela.
Nenhuma resposta. Preciso continuar insistindo.
- Sabe, ela pode ter trocado de nome. Ela me disse que quando crescesse iria mudar o nome. Só não me disse por qual nome ela iria trocar.
- Hum. E você não a vê faz quanto tempo?
- Acho que uns... Sete anos talvez.
- Nossa, mas é muito tempo. Como você iria lembrar dela? Tem alguma foto guardada?
- Não.
- Ah, mas ela pode ter mudado muito, não só o nome.
- É.
Silêncio outra vez.
- Eu queria ter visto essas mudanças. Não queria que ela tivesse ido embora.
- E por que ela foi embora?
- Não sei. Acho que ficou brava comigo.
- Ficou brava com você? E por que você não foi atrás dela?
- Eu fui, mas já não a encontrei mais.
- Ah... mas que pena. Bem, a vida é assim.
- Pois é. A vida...
Ela virou o rosto de novo. Está olhando lá fora. Espero que não tenha que descer daqui a pouco.
- ...É estranha. A vida é muito estranha.
Ela não me respondeu. Vai descer daqui a pouco.
- Esse é o meu ponto. Com licença.
Dou passagem para ela ir. Mas não quero a perder de vista. Ela está se distanciando. Tem algumas pessoas bloqueando a minha visão.
- Ca-lan-dra!
Ela olhou. O ônibus parou. A porta abriu. Ela desceu.
- Calandra!
Eu desci pela outra porta.
- Mas... o que você quer de mim?!
- Você não é a Calandra? Você mudou seu nome?
- Não mudei o meu nome porcaria nenhuma! O que você quer de mim? Pare de me seguir! Não quero conversa com você!
- Ainda está brava comigo?
- Mas eu nem conheço você!
- Brenn! Eu sou Brenn!
- Eu não lembro de você!
- Eu disse uma vez que seu nome era muito bonito! Você disse na primeira vez que seu nome era Cassandra. Agora seu nome é Bruna?! Você está mentindo de novo para mim?!
- Não sei do que você está falando!
- Você não lembra?
- Você...! Como é que você pode lembrar uma coisa dessas?
- Então é você! Calandra!
- É, é. Meu nome é Calandra. Mas eu não lembro de você.
- Ah! Eu cresci, eu mudei.
- Eu também mudei!
- Você pode mudar o seu cabelo, pode se maquiar, colocar a roupa que quiser, mas eu sempre irei te reconhecer. E sabe o porquê?
- Não!
Ela está tentando fugir.
- Eu quero o seu nome.
- Hã?
- Qual é o seu nome inteiro?
- É só isso?
- Me fale. Me diga por favor. Preciso do seu nome.
- Pra quê?
- Eu quero guardar ele. Quero guardar o nome de cada pessoa que eu conhecer.
- Mas você já não me conhece?
- Sim, mas não completamente.
- Você é doido?
- Sim. Sou doido. Muito doido! Doido, doido, doido!
- Pare com isso!
- E então? Vai deixar eu conhecê-la?
- Meu nome é...

CALANDRA
PRIMEIRO PÁSSARO
FIM
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