domingo, 19 de janeiro de 2014

Conto #0004

QUARTO PÁSSARO

KLEBBERSON OLIVERT


Eu havia procurado por um certo homem aos meus nove anos e acabei encontrando por ele: meu pai. Meu suposto pai, ex-namorado da minha suposta mãe.
Assistia na TV que algumas crianças tinham um pai. Só queria saber se seria bom ter um. Então naquela época eu decidi procurar pelo meu pai. O pequeno problema é que eu não sabia quem ele era. Podia ser qualquer um.
Qualquer homem por aí podia ser meu pai.

Pensando nisso, acabei transformando um certo homem estranho em meu pai. O estranho nele era sua aceitação em ouvir a minha história.
Naquela época eu não pensava muito no que poderia ser perigoso. Só pensava no que me poderia ser divertido. Voar era divertido. Muito divertido. Divertido demais.
Fui adentrando a mata do morro. Iria subir no ponto mais alto da cidade. Minhas roupas iam ficando cheio de sementes de picão e carrapicho. Eu ia sujando meus sapatos e calças de terra. Me enroscava nos galhos de árvore. Tudo isso para vê-lo.
Naquela época eu pensava que estava numa divertida jornada em busca de um homem fantástico que poderia me tornar um homem igualmente fantástico. Pensando hoje, podia não estar enganado nesse fato: ser um homem fantástico.
Ele continuava fumando compulsivamente. O cheiro dele era quase insuportável. Cheiro sufocante, amargo, algo que me dificultava respirar. Não conseguia. Respirar era um ato difícil perto dele.
- Pare de fumar!
E ele soltava a fumaça na minha cara.
- Quer me matar?
- Moleque...
Ele não era de falar muito. Também não era de se irritar com qualquer coisa.
- Por que está aqui? O que você quer?
Ele tinha um jeito calmo. Eu o descreveria o jeito dele como a fumaça que ele expelia: se dissolvia no ar naturalmente. Porém, aquela fumaça também se impregnava no ambiente e podia lentamente te intoxicar sem você notar.
Eu estava prendendo a minha respiração, evitando inspirar pelo nariz por causa da fumaça, enquanto pensava no que dizer a ele. Será que eu teria coragem de contar? Era estranho agora. Por onde eu iria começar?
- O que você anda fazendo?
- Nada. Só aqui.
Aquele homem morava em um barraco de madeira no alto do morro. Ao redor havia muitas árvores. Árvores um tanto altas. Não tinha tanto espaçamento entre elas.
Quando eu tinha nove anos, ele me fez subir numa daquelas árvores.
- Venha. Suba. Mais alto.
Ele estava escalando e eu indo atrás.
- Não consigo subir mais.
Ele agarrou o meu braço e me puxou.
- Não seja molenga. A vida é mais difícil do que isso. Se você não se arriscar em tentar dar um passo maior que sua perna, você nunca irá subir. Você nunca chegará ao topo. Hoje eu testou te ajudando, mas amanhã eu quero que você consiga subir sozinho. Olhe. Veja.
Tínhamos chego ao topo da árvore. De lá eu podia sentir algo que nunca tinha sentido antes. Uma emoção muito forte. Um misto de medo com alegria.
Eu podia ver as casas tão pequenas e podia ver muitas de uma só vez. E sentia o vento soprar mais forte. Eu sentia que queria voar. Eu desejava voar. Voar sobre aquelas casas. Voar além daquelas casas. Queria passear pelo mundo como um passarinho.
Ele estava com os braços abertos sentindo o vento. Sentia que ele não tinha medo algum de cair. Apesar daqueles meus sentimentos de querer voar eu estava com medo de cair. Tinha muito medo de cair. Estava me agarrando aos galhos. Quando vi ele com os braços abertos senti que podia fazer o mesmo e ser capaz de voar. No entanto, logo que soltei os galhos e estendi os braços ao céu, me desequilibrei e cai. O que me salvou foram os galhos que me amorteceram a queda, mas fiquei todo dolorido e com muitos arranhões. Não quebrei nada a não ser alguns galhos da árvore. Ele tinha verificado e me levou para casa depois disso. Minha mãe ficou furiosa.
Ele vivia subindo em árvores. Ele era habilidoso. Ele subia rapidamente e em lugares que eu não conseguia chegar. Meus braços e pernas eram muito curtos, tinha um limite aonde eu poderia ir.
Quando você cresce você deixa de ser tão pequeno. Só que quando você cresce descobre que ainda é pequeno.
Depois daquilo eu fui visitá-lo mais vezes. Quase todos os dias. Todos os dias que eu conseguia encontrá-lo, lá no morro, entre as árvores. Trocávamos poucas palavras. Eu ficava mais observando e ele fumando.
Certo dia, ele tomou uma atitude diferente, me levou para um lugar diferente. Viajamos de ônibus. Fiquei com o coração batendo naquela viagem. Ficava ansioso para saber onde nós estávamos indo. Ele tinha dito que iríamos voar de asa-delta. Não fazia ideia do que era aquilo, mas a ideia de como saber voar era o mais importante.
Subimos num outro morro em uma outra cidade. Um morro muito mais alto do que aquele em que ele vivia. Havia um outro homem. Os dois conversavam coisas que não dei a menor importância. Havia mais algumas pessoas presentes das quais nem me lembro para descrevê-las. Só me lembro que elas se vestiam diferentes, tinham coletes, cintas e capacetes.
Logo que subimos reparei na asa-delta, só que para mim, naquele instante, aquilo não passava de um toldo de lona em formato esquisito de “v” que eles tinham montado. Tinha um triângulo feita de tubos de aço. Nós ficamos no meio amarrados com um monte de cordas. Ficaríamos pendurados naquilo. Correríamos com aquilo, pularíamos, sairíamos do chão e sobrevoaríamos as árvores. Nós estávamos mais altos que as árvores. Muito mais altos que as árvores. Sentindo um vento muito mais forte. Uma emoção muito mais intensa me percorreu o corpo todo. Queria, desejava, ansiava aquela sensação para sempre.
Durou alguns minutos. Pousamos na praia. Meu corpo estava formigando.
- Quero continuar voando.
Ele não perguntou se eu gostei da viagem. Ele já sabia. Não precisava perguntar.
- Então vai precisar criar suas próprias asas.

KLEBBERSON OLIVERT
QUARTO PÁSSARO
FIM

PÁSSAROS RESTANTES: 0996

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