domingo, 26 de janeiro de 2014

Conto #0005

QUINTO PÁSSARO

CANDIDO


“Quando estiver se sentindo deprimido olhe para a imensidão do céu.” Que frase barata de livro de autoestima! Há quase cinco minutos aquele moço está olhando para cima com uma cara abobada. O que será que ele está olhando?
Paro ao seu lado e também olho para cima numa tentativa de imitá-lo. Daqui a pouco outras pessoas que estão passando pela rua também olham para cima, mas não param para olhar, continuam o seu caminho.
Ouço alguém falar de algum lugar:
- Mas o que é que aqueles dois estão olhando?
Com essa frase o moço desperta de seu estado e percebe que estou ao seu lado. Ele me pergunta:
- O que tem naquela janela?
Estávamos em frente a um pequeno prédio residencial.

- Qual delas?
Eu perguntei pois havia mais de uma janela com coisas nela. Uma estava com a bandeira de algum time de futebol pendurada, outra com cortinas floridas, e em outra com um patinho amarelo ou algo do tipo no parapeito.
- A que está fechada. Com uma placa. A janela do quarto andar. O que está escrito?
- Vende-se.
- O quê?
- Vende-se.
- Não acredito.
- E tem um número de telefone em baixo. Você quer que eu diga para você anotar?
- Não!
Eu fiquei meio assustado. Agora ele parecia meio alterado.
- Não acredito nisso! Estão vendendo meu apartamento! Eu morava ali!
Morava. Quer dizer que ele não mora mais. Aquilo não era da minha conta. Já estava virando para ir embora quando: Epa! O que é isso?! Ele está puxando meu braço!
Fiquei sem o que dizer. Ele é louco? Está arrastando um desconhecido com ele!
Eu fui com ele até a portaria do prédio. Ele falou com o porteiro sem largar meu braço. Passou pela portaria sem grandes problemas. Assinou um caderno e atravessou o pátio até chegar debaixo do prédio onde era o estacionamento. Havia poucos carros estacionados. Tinha um elevador, mas ele foi pela escada. Foi então que ele largou meu braço, não dava para subir comigo, o lugar era estreito. Eu fiquei parado por um tempo vendo ele subir até virar e sumir de vista. Eu pensei que voltar agora me daria trabalho já que eu teria que passar pela portaria. Sim, aquilo não era a verdadeira razão pela qual não fui embora dali. Eu já estava ali dentro. Agora eu precisava do nome dele. Se a assinatura dele fosse legível para mim eu poderia ter saído com algo. Agora esse algo iria ficar e eu não poderia deixar.
Subi atrás dele pulando um degrau. Logo alcancei ele. Ele não estava num ritmo apressado.
Quatro andares. Ele não parecia cansado. Ele andou pelo corredor e chegou na frente da porta de número 16. Bateu insistentemente na porta. Ninguém respondeu. Esperou alguns segundos e bateu outra vez. Nada de abrirem.
- Ela não está.
Ele estava com uma expressão séria. Não achava que ele estava triste, apenas sério. Esperou em pé por alguns minutos. Minhas pernas já estavam começando a cansar.
Ele se encostou na parede e foi descendo até sentar. Eu fiz a mesma coisa. Sentei ao lado dele.
“Como é seu nome? Como você se chama? Qual é seu nome?” Eu deveria fazer qualquer uma dessas perguntas.
Iniciar uma conversa parece difícil. Eu deveria me interessar pela vida da outra pessoa.
- E agora?
Ele pareceu surpreendido. Virou a cabeça e olhou para mim.
- Quem é você?
Sou eu quem deveria estar fazendo essa pergunta. Concluo que ele deve ser louco.
- Eu moro nesse prédio há pouco tempo. Quem é você?
Eu menti. Não podia dizer a verdade para um louco.
- Mora?
Isso. Ignore a minha pergunta.
Comecei a olhar para frente, fixando meu olhar para a porta. Balancei a cabeça e fiz um ruído afirmativo.
- Ela não deveria ter colocado aquela placa de vende-se. O apartamento não é dela.
O que é isso? Ele tinha brigado com a namorada?
- Eu não entendo. Fiquei fora por tanto tempo? Ela está brava?
Como é que eu vou saber? A namorada é sua.
- O que ela pretende com isso? Ela não vai conseguir vender. Eu não estou morto. Estou?
Quer dizer que agora eu posso ver espíritos e ser arrastados com eles.
- Eu não fui embora porque quis. Fui porque precisava. Por que ela não entende isso?
Por que você é um louco que fala seus problemas com estranhos que pega pela rua?
- Minha mãe doente. Quem é que vai cuidar dela?
É? Você pode cuidar de alguém doente? Não é o doente?
- Ah... O que é que eu vou fazer?
Ele colocou a mão na testa.
- Fique esperando ela voltar.
Se é que ela vai voltar.
- Ela não vai voltar.
Telefone para o tal número do cartaz.
Ele disse aquilo, mas ficou esperando. Levantou, ficou andando um pouco. Permaneceu parado em pé. Olhava para o corredor esperando que alguém aparecesse. Apareceu o vizinho, o morador do número 15. Cumprimentou ele. Ele sorriu disfarçando a sua insanidade mental.
Quanto mais o tempo passava mais eu ficava preocupado de como aquilo iria terminar. Em certos momentos ele parecia perder totalmente a calma. Parecia que ia esmurrar a porta ou qualquer coisa que estivesse por perto. Outras parecia cansado, entediado de esperar. Porém, em todos aqueles momentos, para mim, ele estava pensativo. Se não falava seus pensamentos em voz alta eu não poderia saber o que se passava pela sua mente. O silêncio me deixava preocupado. Aquele silêncio me deixava preocupado.
O sol estava se pondo. O céu estava ficando alaranjado. O corredor se iluminava com aquela luz.
Ficamos umas cinco horas juntos.
Passos no corredor. Quem estava vindo era uma pessoa familiar. Uma mulher que eu conheci há quase quatro anos. Era ela que ele estava esperando?
De repente ele percebe que o tempo passou e me pergunta:
- Ei, garoto, como você se chama?
- Brenn. E você?
É ela quem responde.

CANDIDO
QUINTO PÁSSARO
FIM

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