domingo, 12 de janeiro de 2014

Conto #0002

SEGUNDO PÁSSARO

KARINA KATARINA


“Se eu pudesse me livrar dessa dor...”
Dói só de lembrar. A segunda pessoa que coletei o nome também foi uma mulher. Na verdade, era ela quem deveria ser a primeira pessoa da minha lista. A mulher que me criou. Minha mãe.
Quando perguntei se eu poderia colocar o nome dela naquela lista, ela simplesmente me repreendeu e me mandou parar imediatamente com aquilo. Mas se você proíbe alguém de alguma coisa sem uma boa explicação, pode ter certeza que essa pessoa fará e ainda com mais afinco que antes.
Sim. Eu fiz. Não me arrependo de tê-la desobedecido. Afinal, era só um nome. Um nome escrito num pássaro de papel.

Eu comecei a pendurar esses pássaros na janela. Faria uma bela cortina.
O vento soprava e os pássaro balançavam. Eles estavam presos pela linha não podiam sair voando. Eles estavam presos. Presos. Presos por uma linha. A linha era a vida.
É solitário ficar dentro de meu quarto, observar aquela janela com grades. As grades de proteção, ou as grades de encarceramento. Me protege e fico preso. Quero sair daqui, mas lá fora é muito perigoso.
- Mamãe.
Eu quero ir embora desse mundo.
Lá fora é muito perigoso, mas ninguém falou que dentro também era.
- Mamãe?
Aonde a senhora foi? A senhora não estava aqui dentro de casa comigo? Aonde a senhora foi?
- Mamãe!
Aonde a senhora está agora?
- O que foi?! Estou no banheiro menino! Deixe de ser escandaloso!
- Ah...
Que alívio. Era só o banheiro. Mas que silêncio assustador.
Eu ouço o canto dos pássaros de vez em quando. Aqui é um lugar tão calmo. Nada acontece. Ou nada deveria acontecer.
- Mamãe...
- O que foi?
- A senhora vai pra onde?
- Dormir. Você quer alguma coisa?
- Não.
Quero só o seu nome. Durma bem.
A noite passa. Agora com mais tranquilidade. Eu não consigo dormir direito. Quero saber se ela ficará bem. Não pode ter acontecido nada de ruim. Foi só um nome. Um nome. Mas, as pessoas precisam de um nome. Cada pessoa precisa de um nome. Eu nunca chamei a minha mãe pelo nome dela. Quem sabe se eu realmente sei o nome dela? Para mim, ela é a mamãe.
Se um dia eu chamá-la pelo nome... Este dia seria... Aquele dia...
- Mamãe, durma bem.
- Durma bem você também querido.
Ela me beijou na testa como sempre. Já faz quase quatorze anos.
Eu não lembro de quando eu nasci, então só sei pelas coisas que ela me contou. Não foi um parto muito fácil, mas foi natural. Nasci pesando um pouco menos que a maioria das crianças. O médico e as enfermeiras ficaram um pouco preocupadas com isso, mas logo eu atingi o peso normal.
Fiquei doente algumas várias vezes e ela teve que ficar ao meu lado esperando minha saúde melhorar. Com isso ela perdeu muitas oportunidades boas de emprego. Ter sido mãe solteira não deve ter sido fácil, nenhuma vez. Porém, ela sempre dizia que eu era a razão da vida dela.
Eu queria saber sobre o meu pai, mas minha mãe fazia tão pouco caso dele que eu imediatamente perdia essa vontade. O que eu sabia era que ele era um ex-namorado sem nenhum senso de responsabilidade. Então ela nunca contou que estava grávida. Ela se afastou. Ela se afastou de todos. Ela foi viver uma vida bem distante e diferente. Parece que estamos vivendo agora no meio de uma floresta.
Não é uma floresta. Nossa casa não fica no meio de uma floresta. Também não é uma zona rural. É só um lugar cheio de verde e bem sossegado.
Eu gosto daqui e às vezes não gosto. Eu gosto de sair e conhecer pessoas. Só que, às vezes, as pessoas são difíceis de se lidar.
Se eu fechar meus olhos e perder minha consciência, com o que eu irei sonhar? Eu não lembro do que sonhei naquela noite. Quando eu acordei ainda estava tudo silencioso. Não amanheceu ainda.
Fui na cozinha tomar um copo de água.
Mais silêncio. À noite é tudo tão mais assustador.
Não consigo ouvir a respiração profunda da minha mãe. Essa respiração é quase um ronco. Eu não ouvia nada vindo de seu quarto. Será que ela estava acordada?
- Mamãe?
Nenhuma resposta. Apenas o silêncio da noite.
Fui para a cama dormir. O sono estava me pegando outra vez. E outra vez eu acordei, mas já estava claro. Alguém estava na minha janela.
- Brenn, o que é isso?
- O quê?
- Esses pássaros. O que são?
- Origamis.
- Não.
- Dobraduras.
- Não! Não! Tem um nome escrito nesse aqui. Quem é Calandra?
- Uma garota que conheci.
- Por que escreveu o nome dela?
- Porque eu a conheci.
- Aconteceu alguma coisa com ela?
- Não sei. Não a vi mais. Mamãe, porque a senhora acordou tão cedo pra vir pra cá? Hoje é domingo?
- Não. Eu disse para você não fazer isso.
- Por quê? A senhora não me explicou o porquê.
- É só uma lenda.
Ela disse.
- É só uma lenda.
Eu repeti.
- Não quero você envolvido nisso.
- Por quê?
- Porque não!
- É perigoso? A senhora acha que esse tipo de coisa é perigoso?
- Acho.
- Aconteceu alguma coisa antes?
- Não. Não aconteceu nada.
- Mamãe, então não fique tão nervosa.
Ela se calou, mas continuou encarando os meus pássaros.
Vai e volta. O vento sopra. Vai e volta. O vento sopra.
- Mamãe?
Eu não entendia o nervosismo dela. Queria saber o motivo que a deixava tão amedrontada.
- Brenn... eu vou lhe contar uma coisa.
- O que é?
- Eu não sou sua mãe.
Parei de pensar por um instante. O que ela havia dito? Tentei processar aquele momento. Encarei a face daquela mulher seriamente:
- Então, quem é a senhora?
Em minha mente tentei gravar os mínimos detalhes daquela revelação:
- Katarina.

KARINA KATARINA
SEGUNDO PÁSSARO
FIM

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